
No parque de estacionamento do Estádio do Restelo, Freddy Adu passa por um dos elementos do staff do Belenenses, debruçado sobre a janela de um carro, dá-lhe uma palmada e diz-lhe: "Belo corpinho!" A brincadeira sai em português e começa a defini-lo: aos 20 anos continua a ser um miúdo bem disposto e confiante, apesar do impasse numa carreira que se projectou bem diferente.
Vê-se que está contente no Belenenses.
Muito. É uma nova oportunidade, toda a gente está a ser fantástica, estão a dar- -me uma oportunidade e isso é tudo o que preciso nesta altura. É um ano muito importante, talvez o mais importante da minha carreira porque quero fazer parte da selecção dos Estados Unidos que estará no Mundial. Ainda por cima é na África do Sul.
Nunca regressou a casa?
Estive na África do Sul, estive em Angola com o Benfica, mas nunca voltei ao Gana, o que é triste. Tenho de lá voltar.
Como foi a sua infância?
Jogava futebol todos os dias, via o Zidane e o Ronaldo na TV e tentava jogar como eles.
Teve uma oportunidade extraordinária de ir para os Estados Unidos, devido a uma lotaria; era o sonho de qualquer um mas teve um efeito perverso: fez disparar a carreira muito cedo. Concorda?
Não fui para o Estados Unidos pelo soccer, fui por uma vida melhor e pela escola. Hoje sinto-me abençoado por tudo o que me aconteceu... é que eu nem sequer queria ir para a América, tinha sete anos e fartei-me de chorar, não queria deixar a malta com quem jogava à bola.
Mas o contrato profissional aos 14 anos, os contratos publicitários, tudo isso não foi demasiada pressão num miúdo?
Muitos dizem que sim, mas eu senti-me preparado para ser profissional e poder ajudar a minha mãe financeiramente. A minha mãe tinha dois empregos, tomava conta de dois miúdos sozinha!
A maior parte dos miúdos pensa em tudo menos em sustentar a família.
Tive de crescer muito depressa, ser homem muito cedo. A minha vida não era normal, nenhum miúdo de 14 anos é profissional com tanto dinheiro, é muita coisa... cumpri um sonho mas sacrifiquei a vida social.
O que faria de diferente?
Houve muita coisa... o aparecer, a publicidade... oxalá tivesse dito "não" algumas vezes, porque tudo aquilo me retirou o futebol, a alegria de jogar. Passou a ser de mais, era como um circo... viagens, falar aqui e ali, quando chegava a altura de jogar estava cansado.
Pensava que tudo seria fácil?
Achei que tudo aquilo não custava nada [risos]! Achei que ser um atleta profissional era apenas ir para dentro do campo e jogar, como sempre fiz. Mas claro que é diferente.
E na Europa não é ainda mais difícil?
É muito mais! Venho para Europa - aí está o miúdo, grande nome, todos conhecem - e tenho de trabalhar três vezes mais para ter uma oportunidade de jogar. Porque [abranda o discurso e levanta a voz] toda a gente tem muita qualidade! E depois, se me descuido saio da equipa, se saio, espero, espero, espero por outra oportunidade.
A ideia que se criou em torno de si foi esta: o miúdo é o novo Pelé.
Foi pressão a mais. As pessoas esperavam que entrasse em campo e marcasse três golos em todos os jogos. Não, ninguém vai ser Pelé, não vai haver nenhum Pelé, Pelé é único. E Maradona é Maradona, por aí fora. O que posso fazer é trabalhar para evoluir, porque sinto que tenho talento. No fim, a questão resume-se a trabalho.
Quando se estreou no Benfica [FC Copenhaga, Liga dos Campeões, no Estádio da Luz] deu a ideia de que não estava preparado para aquilo.
Estava superexcitado e motivado mas também nervoso. Pensava: "Bom, isto é um mundo novo, nunca pensei que fosse assim. Olhei à volta no Estádio da Luz, umas 60 mil pessoas nas bancadas, uau!!!" Não sabia o que me esperava mas depois desse jogo acalmei.
Fernando Santos apoiou-o?
Sim, foi quem me trouxe para o Benfica, acreditou em mim mas depois foi despedido e veio Camacho, que trouxe jogadores como Maxi e Rodríguez; o Rodríguez veio para jogar na posição que podia ser minha, cada treinador tem as suas escolhas; comecei do zero.
Surpreendeu-o a entrada e saída de jogadores, a troca de treinadores?
Nos Estados Unidos não era assim. Aqui é sempre gente nova, novos jogadores e treinadores, especialmente no Benfica, onde tive três treinadores num ano. São estilos de jogo diferentes, mentalidades distintas, treinos diversos... senti que foi de mais. Mas mesmo com Camacho joguei e marquei golos. Foi bom. Depois fui para a selecção sub-20 dos Estados Unidos, fiz três golos em quatro jogos e quando regressei o treinador já era Chalana. E não joguei mais.
Acha que tinha lugar no Benfica?
Sim, definitivamente. Mas não faz sentido dizer qualquer coisa agora porque a equipa está a jogar muito, todos parecem estar melhor. Di María melhorou muito, Coentrão também. Um treinador pode fazer-te ou acabar contigo, é bom que eles tenham um treinador que acredita neles, que lhes dê oportunidades. No Mónaco também joguei pouco e quando isso acontece perde-se a forma. São precisos quatro ou cinco jogos para recuperar. Só quero uma oportunidade de mostrar como estou muito melhor.
Fazia vida de príncipe do Mónaco?
Era bom, está lá todo o tipo de gente, conheci várias pessoas. Além disso, a minha mãe esteve lá comigo duas semanas.
A sua mãe ainda lhe deixa o congelador cheio de comida?
Sim, veio agora a Portugal e fez o mesmo.
Que comida?
Comida ganesa, guisados, vegetais, arroz, muita carne.
Quantos frigoríficos tem em casa?
Vou ter dois [gargalhada]. Mas este ano ela virá mais vezes, é a mulher mais importante da minha vida. Mas atenção que adoro a vossa comida, o vosso peixe, hum... que peixe!
E quando ela não está?
Tenho amigos. O meu melhor amigo é moçambicano, conheci-o quando cheguei e fui ao Colombo comprar um telemóvel; ele percebeu que estava desorientado e ajudou-me; seis meses mais tarde descobri que nascemos no mesmo dia e no mesmo ano! É a coisa mais estranha que já me aconteceu.
E uma namorada, como nos Estados Unidos [namorava com Jojo, uma cantora]?
Não, não, aqui não. Ando por aí... o futebol é a minha namorada.
E o seu pai?
O meu pai? Não falo com o meu pai desde os oito anos [deixou a família].
Sente a falta dele?
Nunca deu sinal, nunca nos contactou nem nós a ele; também acho que a minha mãe nos protegeu, sempre quis que nos concentrássemos na escola, preferiu que não nos chegasse qualquer problema.
Quem é o melhor jogador em Portugal?
Neste momento? Quando cheguei era o Quaresma, de longe! Este ano, diria Cardozo, Aimar, Saviola, Hulk ou Rodríguez.
Ainda acha que os jogadores americanos são olhados de lado na Europa?
Quando vem alguém da América dizem logo: "Não deve ser grande coisa." Provei que estavam enganados; achavam que o futebolista americano é grande e duro, mas eu sou o oposto, sou pequeno, rápido e técnico. Falo com colegas da selecção que sentem o mesmo. Somos mais do que um bando de jogadores de basebol.
Sente saudades?
Da América? Oh, todos os dias! É casa! Mas sei que preciso de fazer sacrifícios, tenho 20 anos, tenho tempo e sei que tenho de estar na Europa: aqui estou a um segundo de tudo o que quero.
Gana, Estados Unidos, Mónaco, Portugal. Onde estará daqui a dois anos?
Em dois anos imagino-me em Inglaterra ou Espanha. São as melhores ligas do mundo, sempre foram o meu objectivo, sinto que são o meu destino. Sei que tenho de dar tudo, preparar o meu corpo, treinar, mas se jogar vou lá chegar.
Fonte: I
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