Há 15 anos, o árbitro expulsou Caniggia no Benfica-Sporting (1-2). As suas manhãs nunca mais foram as mesmas.
Preud'homme errou (e só um artista como Balakov é que o apanhou desprevenido). Marco Aurélio e João Vieira Pinto lesionaram-se no mesmo lance e saíram aos 21 minutos. O Benfica esgotou aí as substituições (que na altura eram duas) porque Artur Jorge já tirara Abel Xavier por opção (entrou Edilson), numa altura em que já havia 2-0 para o Sporting na Luz, com golos búlgaros - além do chapéu de Bala, um tiraço de Iordanov de fora da área. Mas que raio...?! Pois é, foi mesmo uma noite especial. Que não ficou célebre por isso. Nem pelo golo de Dimas. Nem pelo resultado (2-1 para o Sporting). O que ficou para a história desse dérbi foi a expulsão de Caniggia, por ordem do árbitro Jorge Coroado, que motivou trocas e baldrocas e até um jogo de repetição (2-0 para o Benfica, bis de Edilson, no Restelo, a 14 de Junho), promovido pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e anulado pela FIFA.
Foi há 15 anos. Pronto, pronto, já passou. Mas Jorge Coroado ainda não sabe se há-de rir ou chorar. "Porque tudo isto é kafkiano", justifica o árbitro desse jogo, que sofreu o inimaginável. Das mãos de desconhecidos, adeptos do Benfica. Mas antes disso vamos contextualizar: no dia 30 de Abril de 1995, o Sporting ganhava 2-1 ao Benfica, na Luz, no 10 x 10 (Veloso e Naybet foram expulsos aos 73' e 75', respectivamente), à passagem do 80.º minuto. Foi aí que houve uma falta duríssima de Sá Pinto sobre Tavares, perto da área do Sporting. Jorge Coroado assinala falta mas gera-se o enésimo sururu, com empurrões vários. Às tantas, Caniggia mete-se com Sá Pinto e é aí que Coroado intervém. "A ideia é dar um amarelo a cada, mas o Caniggia insulta-me. Chama-me 'filho da puta' e manda-me para a 'puta que te pariu'. Dei-lhe o amarelo. Depois ouvi isso e dei-lhe vermelho directo. O que as pessoas pensaram foi que eu me tinha enganado. Que eu julgava que ele já tinha amarelo e que portanto foi segundo amarelo. Nada disso. Foi amarelo, o primeiro dele naquele jogo, e depois o vermelho directo, porque não aceito insultos de ninguém. Nem em português nem em castelhano."
E depois? "Na cabina do árbitro, o sr. Gaspar Ramos [dirigente do Benfica] estava muito nervoso e descontrolado. Pedi-lhe que se retirasse. É verdade que aquela casa [Estádio da Luz] era dele, e ele até era delegado ao jogo, pelo que podia estar ali, mas não naquele estado, que aquele espaço era meu." A FPF reagiu e instaurou um processo ao árbitro, aos jogadores, ao jogo. A expulsão de Caniggia não ficou por ali. O avançado argentino garantiu nada ter dito e as imagens televisivas confirmavam-no, embora Caniggia aparecesse tapado pela cabeça de Isaías por uns segundos. O processo avançou e quem foi o relator? Sampaio Nora, do Conselho de Justiça da FPF, que esteve, anos depois, na lista de Vale e Azevedo para as presidenciais do Benfica. "Mal entrei na sala para depor, ele disse-me que estivesse tranquilo porque não gostava de mim." Entrada a pés juntos? "É como lhe digo: já se passaram tantos anos e ainda nem sei se hei-de rir se hei-de chorar. Foi um processo kafkiano."
E os jogadores, colaboraram? "Os do Benfica defenderam a sua dama. Do Sporting só houve um que me defendeu e disse o que tinha ouvido. Foi o Sá Pinto. Os outros encolheram-se. Como o Marco Aurélio, aquele central." E Jorge Coroado começa a falar com sotaque brasileiro. "Ele disse-me: 'Eu até ajudava você, Coroado, mas não sei o dia de amanhã, né?" Resumindo: "Eles tinham medo de dizer o quer que fosse porque isso hipotecava o futuro deles." Concluindo: "A FPF anulou esse jogo e promoveu um outro, de repetição, no Restelo, que a FIFA desvalorizou. Nas contas finais desse campeonato 1994-95, o jogo que conta é o meu. Que isso fique claro."
E Caniggia? "Olhe, só o vi mais uma vez, na minha despedida internacional. Para a pré-eliminatória da Liga dos Campeões, num jogo entre Rangers e Maribor, em Glasgow [1 de Agosto de 2001]. Falámos um pouco, ele disse-me que nunca quis criar problemas e eu disse-lhe que estivesse tranquilo. Nessa noite ele marcou dois golos [3-1]... e não o expulsei."
Ok, obrigado. Só mais uma pergunta: sofreu muito com esse episódio? "Nada de especial. Fui ameaçado de morte com uma pistola na cabeça e depois com uma faca, à porta do meu emprego [de bancário na Rua José Malhoa], de manhãzinha, antes da 8h30. Foram pequenos-almoços diferentes. Eram adeptos de cabeça perdida que queriam fazer justiça com as próprias mãos. O da pistola apontou-me a arma à cabeça mas não me assustou. O da faca falhou o alvo mas estragou-me o casaco. A sorte dele foi que conseguiu fugir. O azar foi que lhe fiquei com a faca."
Fonte: I
1 comentário:
Não pondo em causa a arbitragem de Coroado nesse jogo e o mau carácter de quem o ameaçou, devo dizer que esse senhor é um anti-benfiquista primário como já o afirmou e se tem visto no Tribunal do Jogo.
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