O brasileiro diz-se benfiquista e recorda Alvalade, "onde é mais fácil ganhar"
Argel fala pelos cotovelos e repete as palavras "respeito" e "fantástico" a cada resposta sobre Portugal e o Benfica. Diz já não saber se é português ou brasileiro mas assume-se benfiquista a 100 por cento. Confessa que o melhor treinador é Camacho e o melhor futebolista com quem jogou Zahovic. O esloveno, tal como ele, "era um durão". E Argel faz gala da fama que tem e sente-se orgulhoso por ter peitado Jesualdo Ferreira ou mesmo alguns companheiros de equipa. Em semana de dérbi em Alvalade, o antigo central das Antas e da Luz não quer avançar resultados mas lá vai alimentando a esperança dos encarnados: "É mais fácil ganhar lá do que em casa." E é assim, com uma vitória fora, que arranca a conversa.
Qual o dérbi em Alvalade que melhor recordação lhe traz?
Aquele do dia em que o Camacho chegou à Luz pela primeira vez. O Chalana era treinador [interino] e era um Benfica-Sporting de Braga. E depois, na semana seguinte, foi Sporting-Benfica [7 de Dezembro de 2002, Argel jogou 90 minutos] e nós ganhámos por 2-0, um golo do Zahovic e outro do Tiago já com o Camacho no banco. E nessa altura o Sporting tinha um grande time: João Pinto, Paulo Bento, Rui Bento, Jardel, Quaresma, enfim... E nós ganhámos por 2-0! Lembro-me que o príncipe das Astúrias, o Filipe, ligou ao Camacho para lhe dar os parabéns. E depois foi o próprio rei de Espanha, o Juan Carlos, a ligar ao Camacho porque tinha visto o jogo lá. Tenho grandes recordações dos jogos com o Sporting [risos]. Os meus melhores jogos com a camisola do Benfica foram contra o Sporting. Aliás, nessa vitória, fui eleito o melhor em campo!
E como era marcar o Jardel?
Ah! O Jardel era fera mas só fez um golo comigo em campo. Foi lá no Benfica-Sporting, no velhinho Estádio da Luz [15 de Dezembro de 2001, Argel jogou 90 minutos]. Estávamos a ganhar por 2-0 e o jogo acabou empatado. O Jardel atirou-se para o chão aos pés do Caneira. E o árbitro assinalou penálti vergonhosamente e ele lá bateu a falta e marcou. Ainda brinquei com ele: "Quando jogares contra mim, só marcas assim, de penálti!" Sempre foi um duelo muito legal e honesto porque o Jardel era fora de série. Conhecia-o bem, desde o tempo em que fomos campeões do mundo de juniores, à passagem pelo FC Porto, e isso facilitava o meu trabalho.
Isabel Trigo Mira, então vice-presidente do Sporting, disse que Argel insultou a Juve Leo naquele Sporting-Benfica (0-1) em 2004. É verdade?
Isso aí é conversa fiada de Isabel Trigo Mira. Disseram que tinha sido eu e Zahovic a xingar a claque do Sporting e tal, quando estávamos a aquecer [Argel entrou ao minuto 90 e ainda viu um amarelo]. Mas não se passou nada, não houve nada! É completamente falso! Compreendo que eles estavam chateados porque nós estávamos a ganhar o jogo. Aconteceu, pronto. Até me lembro de ir à TV desmentir isso tudo! O Sporting estava a perder e a claque protestou, armou confusão e invadiu o campo. Até respeito o Sporting, porque sempre tive lá amigos, como o Polga, o Rochemback e o Liedson, que tem um corpinho de alfinete mas é fera! Naturalizou-se e ainda bem para Portugal. É como diz o Mourinho: "Quando se vai ao Brasil e se dá um pontapé numa pedra, saem logo 200 jogadores de futebol debaixo dela."
Mas admite que deixou uma imagem de durão?
É, sempre fui assim. Um guerreiro, duro, forte, com uma personalidade também muito forte. Mas tenho orgulho na minha carreira. Joguei ao mais alto nível e o futebol deu-me tudo, fama, dinheiro. Tenho o meu pezinho-de-meia feito e a vida orientada. Foi um período maravilhoso. Agora quero ser treinador. Penso um dia voltar a Portugal, mas já como treinador.
Então e como foi aquela discussão com Jesualdo Ferreira?
É verdade, é verdade. Foi num jogo em que me tirou da equipa e eu lhe disse umas coisas que não devia. Mas no calor do jogo... Fui afastado do Benfica durante dez dias e o Jesualdo acabou por ser afastado da Luz após a derrota com o Gondomar para a Taça de Portugal. Veio o Chalana, que me botou a jogar contra o Sporting de Braga, e o Camacho, que me colocou contra o Sporting na mesma semana. Toda a gente dizia que a equipa do Benfica era fraca, ruim, e nós provámos que éramos bons! Tínhamos um bom cavalo, sim, o que faltava era um jockey! Um bom treinador, está entendendo? Mas depois falei com o Jesualdo e serenámos as coisas até porque a Zulmira [mulher de Jesualdo] é muito amiga da minha esposa. E sabe o que ele veio dizer sobre mim? Que eu e o Zahovic tínhamos sido os únicos jogadores que o tinham peitado! Fiquei orgulhoso por isso!
E o Argel também peitou alguns jogadores, até nos treinos, como Armando Sá, Ricardo Rocha.
Com o Rocha não tive nada não. Mas tive um forte chega para lá com o Everton. Ou será Emerson ou Emerton...
Everson, o tal que veio da Suíça.
Isso! Num treino eu dei uma chegada mais forte, ele deu outra chegada mais forte. Trocámos uns palavrões para a frente e para trás. Mas depois disso, tranquilo. É normal no futebol: quando a bola rola, não se conhece irmão.
E chegou a partir computadores na sede das Antas ou não?
Isso é muito folclore, muito folclore.
Mas não pressionou Pinto da Costa para sair do FC Porto?
Pressionei, pois. Houve de facto uma discussão feia com o Pinto da Costa. O Palmeiras queria comprar-me ao FC Porto, a pedido do Scolari que me tinha telefonado. E a Parmalat [patrocinador do Palmeiras] até queria comprar-me por valores superiores ao que eu tinha custado ao FC Porto. Só que, mesmo assim, o Pinto da Costa não queria deixar-me sair. Não aconteceu bem como contam, isso dos computadores. Exaltei-me e tal, abanei um pouco a sala, é verdade. E, no final de contas, acabou por prevalecer o que eu queria: que era sair.
Ganhou o duelo.
Claro que sim! Saí! Quando quero uma coisa não há hipótese! Vou embora e acabou! E assim foi.
E continua a ter aquele dragão tatuado nas costas?
Continuo, pois. Mas já o tinha antes de ir para o FC Porto. Eu sei que as pessoas diziam que tinha tatuado um dragão só porque tinha ido para lá, mas não! Dragão era a minha alcunha no Santos, por ser um cara duro.
Passou cá muitos anos. É mais português que brasileiro?
Olha, às vezes chego a torcer mais por Portugal do que pelo Brasil. Amo o vosso país. Espero um dia treinar a selecção portuguesa. Tenho passaporte português. Vou sempre aí, pelo menos uma vez por ano. Conversei com a malta, o Nuno [Gomes], o Moreira, o Quim, o Luisão, esses dinossauros que conquistaram o título comigo. E não deixo que falem mal de Portugal! Se vêm para cima de mim com piadas sobre portugueses eu meto à porrada, pô! [gargalhada].
E é mais benfiquista que portista?
Ué, claro que sou mais benfiquista que portista. Passei por muitos clubes mas foi no Benfica onde estive mais tempo. Não sou benfiquista desde pequenino, como se diz aí, mas é como se fosse!
E a partida que pregou ao Mantorras?
Ah!!! Foi uma bela pegadinha! Até agora, quando vou a Angola ou encontro algum angolano, toda a gente me reconhece! O Nuno [Graciano, então na TVI] telefonou-me e nós combinámos a coisa com o aval do presidente Luís Filipe Vieira. Foi o melhor apanhado, passa muito no YouTube. O Mantorras não percebeu mesmo o que se passava, estava completamente perdido com a cena dos gangsters e dos ladrões e dos tiros. Ele chegou a chorar e ficou mal, sem conseguir dormir durante dois ou três dias. O que eu gosto do Mantorras! Lembro-me dele quando chegou do Alverca. Era um monstro de talento, fortíssimo. Tinha tudo para ser dos melhores do mundo mas a lesão no joelho tramou-o.
A história da lesão de Mantorras ficou bem contada?
Não sou médico. Tenho uma grande admiração pelo dr. Bernardo Vasconcelos e pelo departamento médico do Benfica de então. Falou-se muita coisa... O Mantorras lesionou-se e pronto. Todos tentaram ajudá-lo o melhor que puderam mas há lesões no joelho que nem um milagre consegue curar. Mas o Mantorras é um menino de ouro, muito humilde e continua a ser um jogador importante. Ainda me lembro do jogo com o Boavista em que ganhámos por 4-0 e ele marcou dois! E o Benfica sempre se portou muito bem com ele: não o deixou cair, não o deixou desamparado e foi renovando-lhe o contrato. O Mantorras é filho do presidente Vieira [risos]. O Luís Filipe gosta tanto dele como de um filho.
Como reagiu à morte de Enke?
Tenho um poster dele e do Fehér no meu quarto... Foi uma coisa muito triste, cara. Não dá para entender, cara. Como é que um jogador da qualidade dele, um consagrado que jogou no Benfica, no Barcelona, que é titular da selecção alemã, consegue tomar uma atitude destas, de cometer um suicídio. Perdi dois companheiros de profissão e eu, que jogava à frente do Enke, ouvia-o a gritar connosco [silêncio]. Tinha uma grande admiração por ele, pela pessoa boa que era. Lembro-me que tinha dez cães em casa. É só para todos perceberem a pressão enorme que o futebol exerce sobre os jogadores. Alguns acabam por cometer loucuras. Só de falar no Enke começo a sentir saudades dos jogadores daí, como o Hélder, o Simão, o Zahovic, sei lá, tantos. Sou muito amigo deles.
O Hélder e o Simão que se zangaram na história da braçadeira de capitão.
É verdade! [risos] Foi em Espanha, naquele estágio. Até cheguei junto do Hélder e disse-lhe: "Pô, deixa lá o Simão ser capitão! Ele custou 15 milhões de euros ao Benfica! E você custou o quê? 200 mil?" Brincava com o Hélder com isso. Gostava de ambos. Eu, Hélder, Luisão e Ricardo Rocha éramos os quatro brothers. Torcíamos uns pelos outros. E continuo a achar que o Ricardo Rocha é um dos grandes centrais portugueses.
E José Veiga?
O José Veiga foi e continuará a ser o meu pai português. Ele tinha sido um dos maiores empresários de futebol da Europa e deixou tudo para ser director do Benfica. E o que aconteceu? O Benfica foi campeão com o Trapattoni. As pessoas vão falar deles durante muitos anos. E acredito que o Veiga vai ser presidente do Benfica. Sei que o Vieira e o Veiga não se dão bem, mas isso são outras coisas... Bom, só sei que o Veiga vai ser presidente na Luz!
Como foi jogar no Japão [Tóquio Verdy] e na China [Zhejiang Lucheng]?
Ah fantástico! Gosto especialmente do povo chinês, que está sempre em festa. É que nem o povo brasileiro: alegria, felicidade! Até gostam de caipirinha e cerveja! Como é que eu os entendia? Com um intérprete, pô!
Agora, uma pequena provocação. O seu nome, Argélico Fucks, é no mínimo invulgar e dá para fazer várias interpretações.
O quê? [silêncio seguido de gargalhada sonora] Isso tem a ver com a forma como pronunciam o meu nome. Se disser à inglesa, aí "fucks" é "foda-se"! Mas eu tenho ascendência austríaca e então o meu nome lê-se de forma diferente, com o "u" à portuguesa. Vem do alemão "fuchs" que quer dizer raposa! Entendeu? [risos] Senão é palavrão! Mas, olha, é uma coisa que para mim, meu amigo, nunca me incomodou!
Fonte: I
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