sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Miroslav Blazevic. "Se Ronaldo joga ou não, isso é secundário"

Ficou verde em 1998 e vermelho de raiva em 2004. So lhe falta uma cor da bandeira. Antes do playoff.



Se fosse tão fácil à selecção chegar à baliza da Bósnia como foi ao i falar com Miroslav Blazevic, nem havia dúvidas sobre o apuramento de Portugal para o Mundial-2010 na África do Sul. Porque ir ao encontro de Blazevic com dois telefonemas é como marcar um golo numa jogada de futebol directo, com apenas dois toques. Normalmente o caminho natural destas coisas é ligar à federação local e tentar falar com o assessor de imprensa. Este, se estiver bem-disposto, dá-nos corda e tenta - atenção, tenta - marcar uma entrevista com o seleccionador em causa. Se ligarmos uma segunda vez e ele atender é bom sinal. Se ligarmos e ele nada, nem vale a pena insistir. É para esquecer. Quando o i se aventurou, esperava uma maratona de obstáculos. E afinal foram 100 metros, e com vento a favor. A telefonista da federação bósnia falava inglês e deixou-nos em espera porque não encontrava o assessor de imprensa. Depois perguntou: "Quer falar com ele porquê?" "Para marcar uma entrevista com Miroslav Blazevic." Mais um minuto à espera até que surge a resposta inesperada: "Tome nota do número de Blazevic!" Ao nosso silêncio de espanto, ela justificou-se: "Quer falar com o Blazevic, não é? Não é com o assessor de imprensa, pois não? Então deixe lá o assessor de imprensa em sossego e incomode o Blazevic. Ele até gosta."

O contacto telefónico com Blazevic é imediato e o seleccionador da Bósnia atende ao terceiro toque. Mal ouve as palavras "jornalista português", diz que só fala francês, com "my son" [meu filho, em inglês] a iniciar as frases. Ok, respondemos, tudo bem. Vamos lá então.

Há 13 anos, no Euro-96, Blazevic, então seleccionador da Croácia, perdeu com Portugal. Que diferenças vê entre esse Portugal e o de agora?

Ganharam experiência. Por muitos jogadores que tenham saído ou entrado, e posso falar de uns quantos que fizeram um caminho, como Figo, Rui Costa, João Pinto, Couto, Baía, e de uns quantos que fizeram o outro, como Ronaldo, Simão, Ricardo Carvalho, Bosingwa, Deco, um país que ganha a rotina das fases finais é logo outra coisa. Aliás, porque é que Portugal é favorito com a Bósnia? Porque uma selecção tem experiência internacional e a outra não. Se Ronaldo joga ou não, isso e secundário.

Como?

Sim, é secundário. O elemento mais importante de uma equipa de futebol é o treinador. Estou cansado de dizer isso, meu filho. Porque é que pensa que a Sérvia atirou a França para este playoff? Porque tem Radomir Antic, um mestre na estratégia que mete medo aos franceses. Mas ele que não se julgue melhor que eu, OK? Até desejava que houvesse um Bósnia-Sérvia para lhe mostrar que ele ainda tem de rodar muito para chegar ao meu nível [risos].

Nesse jogo do Euro-96, para a terceira e última jornada do grupo D, a Croácia já estava apurada e decidiu fazer descansar uns quantos titulares como Suker e Boban...

Sim, o objectivo era rodar alguns jogadores habitualmente suplentes.

Deu-se mal porque perdeu.

Portugal entrou forte e já havia 2-0 aos 30 minutos [Figo e João Pinto]. Suker e Boban ainda entraram mas nesse dia tudo deu errado e perdemos 3-0 [Domingos, 83']. Portanto, sim, é verdade que me dei mal. Mas também consegui o que queria que era jogar os quartos-de-final com a Alemanha, que, no dia anterior, assegurara o primeiro lugar do grupo C e iria jogar com o segundo classificado do grupo D, o nosso.

Mais uma vez deu-se mal: perdeu.

[breve silêncio] Pois... mas foi um jogo esquisito em que fomos roubados. O penálti do 1-0 de Klinsmann não era penálti. No meu balneário, a tristeza dos jogadores era infinita e assim seria caso não nos vingássemos no Mundial-98

Aí deu-se bem...

Meu filho, aleluia que me elogia. Já era tempo!

Foi a primeira vez que a Alemanha foi dominada de fio a pavio em 90 minutos.

E quer saber o segredo?

Claro.

Nessa semana, se dormi 10 minutos em cada noite foi muito! Estava tão preocupado com o jogo e sobretudo como parar o Bierhoff, herói do Euro-96, que eles [alemães] ganharam... Como não tinha um jogador na minha defesa capaz de o travar, pensei em desviar as atenções na palestra antes do jogo e falar de Rommel e Montgomery [os comandantes alemão e inglês que travaram uma das batalhas mais importantes da Segunda Guerra Mundial]. Rommel era muito, muito melhor na estratégia mas faltava-lhe combustível e os tanques não se mexiam, obviamente. E Montgomery ganhou. Estou a caminhar para o balneário da Croácia e a pensar nessa história quando o meu adjunto me diz que Tudjman [o presidente da República da Croácia] telefonou a dizer que eu tinha de ganhar, desse por onde desse. Continuei a andar, preocupado com as minhas teorias, e entrei no balneário. Cheio de espelhos, como sempre. Olho para um deles e vejo--me verde. Olho para outro e vejo-me verde. E assim sucessivamente. Digo a mim mesmo: 'Meu Deus, estarei a morrer?' E entro na parte onde estão os jogadores a equipar-se e não consigo falar de nada. Nem do jogo, nem de Bierhoff, nem de Rommel ou Montgomery. Só consigo ouvir a minha preocupação. Vou morrer ou não? E passo assim uns sete ou oito minutos à frente de Boban, Suker, Boksic... Ninguém falou. Nem eu nem os jogadores. E eu que tinha isto tudo tão bem planeado. Bem, começo a olhar para os jogadores e vejo-os a ficar também verdes. E cada vez mais verdes, verdes e verdes. Aí pensei, que se lixe a teoria [fuck the theory, na única vez que fala inglês na entrevista] e só lhes disse: "Vão jogar e morram pela bandeira da Croácia e por toda aquela gente que deu a vida por ela." Eles saíram e ganharam 3-0.

Vai ficar verde em Portugal?

Na última vez que aí fui, fiquei foi vermelho de raiva [no Euro-2004, depois do 0-0 entre Suíça e Croácia, Blazevic, então comentador de uma televisão, teve uma discussão acalorada com Otto Baric, o austríaco que treinava a Croácia].

A bandeira portuguesa é verde, vermelha e amarela. So lhe falta o amarelo

Fonte: I

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