Reflexão: a armadilha da alavancagem financeira nos clubes de futebol
A alavancagem financeira, segundo as teorias de gestão e análise financeira, consiste no recurso por parte de uma entidade a capitais financeiros disponibilizados por uma outra entidade financiadora, com o objectivo de através da sua utilização conseguir um retorno superior ao custo da dívida. Por exemplo, quando um clube quando pede um empréstimo a um banco para contratar um jogador, prevendo que a sua rentabilidade desportiva, merchandising e bilheteiras superem o custo que o clube terá com os juros do empréstimo.
A falta de lucro e a necessidade de contratar activos para sustentar a performance desportiva dos clubes levam a este problema bastante grave e que significa, anualmente, muitas falências de clubes de futebol, alguns até míticos. Basicamente, traduz-se em investir e consumir sem ter dinheiro recorrendo, por isso, ao banco. A armadilha está no enorme desajustamento entre a realidade financeira e a realidade desportiva. Está mais que banalizado ouvirmos que Benfica ou Sporting apresentaram prejuízos de 40 milhões de euros…ninguém pensa que no dia em que o passivo superar o valor dos bens do clube e caso os accionistas não estejam na disposição para meter dinheiro próprio é o fim? Não deixa de causar confusão.
Os problemas começam num momento de incapacidade de valorização dos activos, agravando a situação financeira provocada pelos empréstimos contraídos na banca. Porque se num ano a situação pode parecer esplêndida, uma saída de um treinador ou de um ou 2 jogadores importantes ou às vezes nem uma nem outra mas por outro qualquer motivo, o ano seguinte for catastrófico no plano desportivo, o empréstimo que entretanto foi concedido no ano anterior tem de seguir o plano de reembolso.
Exemplo: um clube vence duas principais competições num ano. Tudo corre muito bem no plano desportivo e razoavelmente no plano financeiro. Nisto, o clube para tentar manter a competitividade desportiva no ano seguinte pede um empréstimo de 25 milhões de euros para a aquisição de um jogador e oferece como garantia ao banco a hipoteca de terrenos e instalações do clube. Seguidamente, no início da nova época, o tal “top player” tem uma lesão grave ou um problema disciplinar e fica de fora grande parte da época. Não obstante, o clube não consegue ter resultados e acaba a época sem títulos. Dá-se uma quebra de receitas (bilheteira e merchandising, essencialmente) na ordem dos 30%. O que se conclui? Que o empréstimo tem de ser pago mesmo tendo as receitas diminuído 30%. E se antes da quebra as receitas permitiam cumprir o plano de liquidação e depois dos 30% já não permitirem? Incapacidade de tesouraria e execução de penhora. O clube deixa de ter instalações próprias para desenvolver a actividade desportiva, capacidade financeira para valorizar os activos (se não aparecer nenhum «mourinho») e começa aquilo a que chamo “o ciclo de falência”…dívidas às finanças e 2ª divisão distrital.
A alavancagem, num mundo globalizado de crédito e onde predomina a concorrência e a orientação para o consumidor é um instrumento necessário mas do maior perigo para a actividade empresarial. Tem de ter uma gestão muito selectiva e cautelosa nos investimentos que são realizados e um estudo prévio de desempenho futuro e previsão de fluxos. Não entendo como é que os accionistas qualificados dos clubes (donos maioritários de tudo o que se faz nos mesmos) permitem tais situações e adoptam uma postura de completa abstenção perante os movimentos financeiros que são adoptados pelos presidentes dos clubes. Em qualquer organização ou empresa privada, o escrutínio accionista é permanente e certas decisões soberanas são deliberadas em assembleia própria, especialmente quando o perigo de vida da empresa é uma realidade.
Nota: Este foi o último artigo da rubrica “Futebol de Gabinete”, mais de um ano de uma experiência que nunca esquecerei e a qual ficarei sempre agradecido à pessoa que me deu o prazer de escrever, pela primeira vez, para um blog oficial, o João Vasco. Classificado entre os 50 mais vistos do país e que teve excelente rubricas e textos de qualidade (um dos concursos até fui vencedor ;p) orgulho-me de ter participado neste projecto, deixando a porta aberta para um dia, depois dos projectos em que actualmente estou envolvido, voltar a pertencer à equipa. Um abraço a todos.
Jorge Manuel Honório, Gestor de Risco
A alavancagem financeira, segundo as teorias de gestão e análise financeira, consiste no recurso por parte de uma entidade a capitais financeiros disponibilizados por uma outra entidade financiadora, com o objectivo de através da sua utilização conseguir um retorno superior ao custo da dívida. Por exemplo, quando um clube quando pede um empréstimo a um banco para contratar um jogador, prevendo que a sua rentabilidade desportiva, merchandising e bilheteiras superem o custo que o clube terá com os juros do empréstimo.
A falta de lucro e a necessidade de contratar activos para sustentar a performance desportiva dos clubes levam a este problema bastante grave e que significa, anualmente, muitas falências de clubes de futebol, alguns até míticos. Basicamente, traduz-se em investir e consumir sem ter dinheiro recorrendo, por isso, ao banco. A armadilha está no enorme desajustamento entre a realidade financeira e a realidade desportiva. Está mais que banalizado ouvirmos que Benfica ou Sporting apresentaram prejuízos de 40 milhões de euros…ninguém pensa que no dia em que o passivo superar o valor dos bens do clube e caso os accionistas não estejam na disposição para meter dinheiro próprio é o fim? Não deixa de causar confusão.
Os problemas começam num momento de incapacidade de valorização dos activos, agravando a situação financeira provocada pelos empréstimos contraídos na banca. Porque se num ano a situação pode parecer esplêndida, uma saída de um treinador ou de um ou 2 jogadores importantes ou às vezes nem uma nem outra mas por outro qualquer motivo, o ano seguinte for catastrófico no plano desportivo, o empréstimo que entretanto foi concedido no ano anterior tem de seguir o plano de reembolso.
Exemplo: um clube vence duas principais competições num ano. Tudo corre muito bem no plano desportivo e razoavelmente no plano financeiro. Nisto, o clube para tentar manter a competitividade desportiva no ano seguinte pede um empréstimo de 25 milhões de euros para a aquisição de um jogador e oferece como garantia ao banco a hipoteca de terrenos e instalações do clube. Seguidamente, no início da nova época, o tal “top player” tem uma lesão grave ou um problema disciplinar e fica de fora grande parte da época. Não obstante, o clube não consegue ter resultados e acaba a época sem títulos. Dá-se uma quebra de receitas (bilheteira e merchandising, essencialmente) na ordem dos 30%. O que se conclui? Que o empréstimo tem de ser pago mesmo tendo as receitas diminuído 30%. E se antes da quebra as receitas permitiam cumprir o plano de liquidação e depois dos 30% já não permitirem? Incapacidade de tesouraria e execução de penhora. O clube deixa de ter instalações próprias para desenvolver a actividade desportiva, capacidade financeira para valorizar os activos (se não aparecer nenhum «mourinho») e começa aquilo a que chamo “o ciclo de falência”…dívidas às finanças e 2ª divisão distrital.
A alavancagem, num mundo globalizado de crédito e onde predomina a concorrência e a orientação para o consumidor é um instrumento necessário mas do maior perigo para a actividade empresarial. Tem de ter uma gestão muito selectiva e cautelosa nos investimentos que são realizados e um estudo prévio de desempenho futuro e previsão de fluxos. Não entendo como é que os accionistas qualificados dos clubes (donos maioritários de tudo o que se faz nos mesmos) permitem tais situações e adoptam uma postura de completa abstenção perante os movimentos financeiros que são adoptados pelos presidentes dos clubes. Em qualquer organização ou empresa privada, o escrutínio accionista é permanente e certas decisões soberanas são deliberadas em assembleia própria, especialmente quando o perigo de vida da empresa é uma realidade.
Nota: Este foi o último artigo da rubrica “Futebol de Gabinete”, mais de um ano de uma experiência que nunca esquecerei e a qual ficarei sempre agradecido à pessoa que me deu o prazer de escrever, pela primeira vez, para um blog oficial, o João Vasco. Classificado entre os 50 mais vistos do país e que teve excelente rubricas e textos de qualidade (um dos concursos até fui vencedor ;p) orgulho-me de ter participado neste projecto, deixando a porta aberta para um dia, depois dos projectos em que actualmente estou envolvido, voltar a pertencer à equipa. Um abraço a todos.
Jorge Manuel Honório, Gestor de Risco
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