quinta-feira, 16 de julho de 2009

Futebol de Gabinete

Passivos: prejudicial ou essencial?

Passivo: para muitos um simples número que se coloca numa folha de contabilidade e que reflecte todas as dívidas representativas da instituição e, para outros, mais alheios ao sistema, um número que representa grande choque, especialmente no mundo do futebol, sem se ter em conta a realidade empresarial e estratégica dos diferentes clubes.
Venho, assim, na minha rubrica semanal, tentar contribuir para uma maior compreensão dos amantes do desporto rei para esta realidade que muitas vezes ouvimos nos media. Um passivo elevado não deve estar associado ao “fim” de um clube como, por vezes, se parece ouvir. Antes de tudo, importa clarificar os diferentes contextos da dívida para diferentes sociedades. Por exemplo, em muitas situações, é preferível um passivo de 500 milhões para um determinado clube que um passivo de 50 milhões para outro. Porquê? Ora a resposta é óbvia: tudo tem de estar adaptado á realidade de uma sociedade. É normal que uma empresa que “venda” muito mais tenha um passivo muito maior. É uma situação que decorre das actividades de exploração da organização. A questão aqui coloca-se na capacidade dela rentabilizar o suficiente para cobrir esse passivo e na possibilidade de o mesmo contribuir para o crescimento, a todos os níveis, da organização que terá de aproveitar esses fluxos de curto prazo para adoptar estratégias e decisões acertadas. Só se vende comprando e pagando e aplicando a esses gastos uma margem de lucro. É o ciclo normal da realidade empresarial. É, portanto, falta de senso dizer-se como, por vezes se ouve, que o passivo de um clube é tal e o de outro é muito maior ou menor. Como por exemplo, muitas vezes comparar o passivo do Real Madrid com o passivo de um dos grandes clubes portugueses. Não é sério!
O passivo é prejudicial em termos da solvibilidade do clube (peso do passivo sobre o capital da empresa) e agrava as finanças se, principalmente, o clube obtiver quebras no volume de negócios. Um clube que se financie bastante mas que alcance sempre os objectivos desejados e a rentabilidade financeira que daí provém é um clube cada vez mais viável. O problema é quando o clube se financia e não consegue “rentabilizar” esse financiamento e onde terá, então, que pagar juros com capital que não rentabilizou para além daquele que já tinha aquando da contracção do empréstimo. Tomemos como exemplo o Real Madrid. É certo que é um clube cujo passivo, especialmente as dívidas a instituições financeiras, disparou “brutalmente” com as últimas contratações mas, no entanto, é um clube que factura bastante e mesmo quando os resultados desportivos são agravados, o clube tem sempre receitas fantásticas de bilheteira, marca, direitos televisivos, merchandising. Neste sentido, se é um clube cujo incumprimento não está em causa (praticamente), é sempre aliciante para as instituições bancárias concederem financiamentos a clubes nestas condições e, sendo certo que beneficiarão (quase de certeza) da rentabilidade associada ao empréstimo concedido, é igualmente certo que a posição credora do clube para o banco não se alterará para pior e, deste modo, não faz sentido subir o rating do clube. Rating que passo a explicar de seguida.
O rating consiste numa classificação que reflecte a capacidade da empresa devedora cumprir com os seus pagamentos á instituição credora. Neste sentido, quanto maior o peso do passivo nas contas de um clube, maior será o rating definido pelas instituições de crédito sobre o mesmo (claro que esta análise complementa não apenas a situação credora, mas também outros factores como o nível de facturação ou a estrutura de capital próprio). Consequentemente, como é maior a probabilidade de não cumprimento das suas obrigações, as instituições credoras aplicarão spreads (margem de lucro) maiores, obrigando a que o clube pague mais juros por cada empréstimo contraído, para compensar o risco em que elas ocorrem ao concederem o financiamento. É bom lembrar que os empréstimos são essenciais para contratações e outros investimentos, pois é dinheiro que os clubes não têm nas suas contas a curto prazo e, portanto, terão sempre de se financiar.
Neste sentido, importa clarificar que os tão falados passivos no futebol podem ser classificados como prejudiciais para as contas e para o rating do clube, especialmente se o clube tiver uma estrutura de custos pesada e escassos resultados em cada exercício. É verdade! Mas são “essenciais” no sentido de que os clubes necessitam de investir para poderem concretizar, acima de tudo, os objectivos desportivos e esse investimento tem obrigatoriamente de ser financiado porque são fluxos libertos que os clubes não dispõem no imediato. Investir, pois é isso que garante a viabilidade e acreditem que o custo de capital da não concretização dos objectivos sai bem mais caro do que qualquer financiamento que garanta a prossecução dos objectivos e consequente rentabilidade que permitirá ao clube pagar a tempo e horas.


Jorge Manuel Honório

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