quarta-feira, 7 de abril de 2010
Ian Rush. "Ainda tenho o programa de jogo dos 3-1 ao Benfica"
O galês não se esquece de uma noite. "Marquei três golos. E ao grande Bento"
Ian Rush está com pressa. E não é nenhuma brincadeira com o seu apelido. Estamos na rush hour (hora de ponta) e o galês, outrora goleador do Liverpool e agora comentador televisivo na ESPN, sem tempo para falar ao telefone. É um gentleman, fala pausadamente e lá concede a entrevista ao i. É um prazer ouvi-lo falar da carreira porque Ian Rush é daqueles fenómenos que nunca foram a um Europeu ou a um Mundial, como Alfredo Di Stéfano, George Best ou Ryan Giggs, que chegou a jogar na selecção do País de Gales com o avançado. Hãããã, desculpem, goleador. Aqui, neste caso, a rectificação impõe-se. Ao longo dos anos, Rush coleccionou golos para todos os gostos, ao ponto de ainda ser o melhor marcador de sempre do Liverpool (346), dos dérbis com o Everton (25), da Taça da Liga (48), das finais da Taça de Inglaterra (5) e da selecção galesa (28). É de mais? Sim, mas este detalhe é delicioso e é de partilhar: sempre que Rush marcava, o Liverpool não perdia. Foi assim em 145 jogos seguidos! Nesse currículo, Rush lembra-se de cinco golos ao Benfica, todos na Taça dos Campeões, em três jogos.
Ian, tudo bem?
Tudo. Estou com pressa [a tal rush hour] mas diz, diz à vontade.
Lembra-se das eliminatórias com o Benfica?
Ah sim, claro. Na primeira vez que joguei com vocês... Bem não sei se é do Benfica, mas vocês tinham uma grande equipa, com a experiência de Bento, os dribles do Chalana, a irreverência de Strömberg, a força do Carlos Manuel, o talento de Diamantino, a inteligência de Nené, a velocidade do José Luís. Todos estes jogadores eram constantemente falados pela imprensa com eventuais convites de Itália, então o El Dorado do futebol mundial, e isso impunha-nos respeito. Ainda por cima, nesses quartos-de-final da Taça dos Campeões 1983-84, eliminámos o Athletic Bilbao, lá em Espanha [0-0 em Anfield e 1-0 na Catedral], com um golo meu. Sabe como é que fomos despachados de Bilbau, à entrada do túnel de acesso aos balneários? Com garrafas, latas e almofadas. Foi um alívio quando percebi que vocês...
Do Benfica ou de Portugal?
[risos] De Portugal, sim. Que vocês, portugueses, eram mais educados. Imagine que, depois de vencermos 1-0 em casa [golo dele aos 66'], ganhámos 4-1 na Luz [0-1 por Whelan aos 9', 0-2 por Johnston aos 32', 1-2 por Nené aos 74', 1-3 por ele aos 78' e 1-4 por Whelan aos 86'] e os adeptos aplaudiram-nos. Fizemos, de facto, uma exibição de gala e a superioridade foi evidente
Com amizade e até à próxima?
Sim [risos], mais ou menos isso.
E não é que resultou, porque um ano depois lá estava o Liverpool de volta à Luz?
Pois, é verdade, mas o que me lembro dessa eliminatória é o jogo da primeira mão, em Anfield.
Porquê? Então marcou três golos. Isso para si devia ser uma chatice.
Muito obrigado. Assim até me vejo obrigado a adiar os meus compromissos para falar com um fã tão animado.
Mas é verdade, o Rush marcava golos a pontapé.
Sim, bem sei, mas dessa vez foram três ao Bento. Ao grande Bento.
Mas ele era pequeno.
Diz você. Para mim, ele ocupava aquela baliza toda. E quando ele saía da baliza e voava para afastar a bola de um cruzamento? Bem, aí era impressionante. Grande, grande. Em todos os sentidos.
Então marcou três golos ao Bento?
Sim. Aliás, ainda tenho guardado comigo esse programa de jogo, veja lá. Foi muito importante para mim. Porque foi o meu segundo a titular, depois de uma longa paragem por lesão. E porque marquei três golos ao Benfica, ao Bento, na Taça dos Campeões, e isso deu-me moral para encarar o resto da época e até da carreira. As lesões podem arrumar um tipo.
E você teve sorte?
Sim, indiscutivelmente. Ultrapassei esse problema e comecei a marcar.
Tanto, tanto, que até foi parar à Juventus, em 1987.
O tal El Dorado de que falava há pouco. Três anos antes, tive um convite do Nápoles, a proposta era tentadora e queria falar com eles mas o Liverpool nem me deu hipótese de negociar o que quer que seja. Só em 1987, com o Liverpool e todas as outras equipas inglesas desclassificadas das competições europeias devido a Heysel [39 mortos antes do Juventus-Liverpool, final da Taça dos Campeões, em Bruxelas], é que me deixaram ter a palavra. Na verdade, queria testar o meu futebol porque a selecção do País de Gales nunca mais ia a uma grande prova e queria estar entre os melhores jogadores do mundo. Mas fui parar a uma Juventus sem Platini. Um dia, eu e o Platini cruzámo-nos e ele disse-me que eu tive azar porque faríamos uma óptima dupla. Tenho a certeza que sim mas paciência. Lá, as coisas não resultaram muito bem, em termos colectivos, porque nem acredita o que melhorei como jogador. Lá, defendia, defendia e defendia. No Liverpool, só atacava. De maneira que aprendi todas as manhas que me foram úteis no regresso a Anfield, na época seguinte.
Pois, só uma época em Turim.
Mas fui recebido por cinco mil adeptos da Juventus no aeroporto, era acarinhado nas ruas e marquei 14 golos, apesar de uma era cinzenta, com troca de treinadores e tudo [saiu Rino Marchesi e entrou Dino Zoff].
É verdade que disse que não se deu bem em Itália porque era como se estivesse no estrangeiro.
Ehhhhh, não, nada disso. Mas não é a primeira pessoa que me faz essa pergunta. A verdade é que foi o Kenny [Dalglish] quem me meteu nessa situação embaraçosa e a piada espalhou-se como se fosse minha. Ele [Dalglish] é que disse isso.
Diz-se que você e ele formaram uma dupla diabólica mas não se davam bem fora de campo. É verdade?
Meia verdade. Sem nunca termos ensaiado, eu e ele entendíamo-nos às mil maravilhas, quase de olhos fechados, mas fora do campo simplesmente não falávamos assim muito. Tínhamos diferentes estilos de vida. Ele vivia em Southport e jogava golfe e eu vivia em North Wales e os meus melhores amigos eram Ronnie Whelan, Jan Molby e Terry McDermott. O curioso é que agora eu e o Kenny somos parceiros para a vida, muito melhor do que quando jogávamos juntos. Há uma outra coisa em relação ao Kenny: na minha última época no Liverpool [em 1995-96], já jogava com Peter Bearsdley, John Aldrigde e John Barnes e eram excelentes jogadores e companheiros mas nenhum foi como o Kenny. Aliás, foram precisos esses três para o substituírem.
Tem cá uma admiração pelo Dalglish...
Nos primeiros treinos com ele, pensava: "Mas porque é que estou aqui a correr que nem um maluco se este não vai conseguir dar-me a bola em condições, porque estou longe e tapado pelos defesas?" e logo a seguir eu dizia "shit" [merda]. Ele conseguia colocar a bola onde queria, fosse quem fosse que estivesse na área de acção. A sua visão era fabulosa e os seus passes simplesmente divinais. E como ele sabia que eu corria mais que os outros, era sempre a aviar.
Agora há alguém assim no Liverpool?
No tempo em que era treinador de avançados, quando fui contratado pelo Gérard [Houllier, treinador francês que levantou uma Taça UEFA e uma Supertaça europeia pelo Liverpool], o Owen era um fenómeno pela vontade de aprender e pela disponibilidade ilimitada de ultrapassar barreiras. Agora vejo o Torres como um avançado modelo. Ele é de classe mundial. Tem potencial e pode igualar os meus números se não se lesionar.
E há mais avançados assim de top?
Claro. Villa, outro espanhol. Drogba, da Costa do Marfim. Cristiano Ronaldo, de Portugal. Messi, da Argentina. Este é o melhor do mundo, faz-me lembrar o Maradona. Vê-lo a correr com a bola agarrada aos pés é uma perdição. Mas eu sou suspeito, como todos nós, acho. A escolher jogadores para uma equipa ideal, quase levava a equipa toda do Barcelona. Já viu bem aquilo? O Xavi. Meu Deus, o Xavi... Ele não erra um passe. Mesmo que queira.
Rush, não lhe tomo mais tempo. Vá lá à sua vida. Obrigado por tudo.
Até quinta?
Até quinta.
Fonte: I
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