sábado, 29 de agosto de 2009

Sérgio Conceição: "Scolari levava os amigos da Nike para a selecção"

É nome de jogador e de estádio (em Coimbra). E é sinónimo de irreverência. Em entrevista ao i parte a loiça toda

Foi um telefonema desconcertante. Sérgio Conceição fala como joga. Não admite traições, à pátria e a si próprio. Quando o i lhe telefonou, só queria fazer 11 perguntas sobre os 11 anos de carreira no estrangeiro, iniciados a 29 de Agosto de 1998, pela Lazio, mas Sérgio falou, pelos cotovelos e pôs os pontos no i.





Faz hoje 11 anos que se estreou no estrangeiro. Qual a diferença de 1998 para 2009?

Já foi há tanto tempo, mas não senti o tempo passar. Ou seja, sei que foram 11 anos e também sei que os aproveitei bem. Estive em grandes equipas. E a estreia ninguém esquece, não é? Foi pela Lazio, em Turim, e marquei o golo da vitória [2-1] sobre a Juventus aos 90'+3. Naquela altura, a Supertaça decidia-se no estádio da equipa campeã. A Juventus, nesse caso. Está a ver? Uma diferença de 1998 para 2009: este ano, a Supertaça italiana jogou-se fora de Itália, em Pequim.

Foi o herói do jogo mas a imprensa italiana trocou o seu nome...

É verdade! Entre Sérgio e Flávio Conceição, vai uma grande diferença. Eu sou português, ele brasileiro. Eu jogava em Itália, ele em Espanha [Deportivo]. No dia seguinte, quando li isso, fiquei... Imagina? Mas demonstrei o meu valor aos italianos ao longo dos tempos. Na Lazio, fui campeão nacional, levantei a Taça das Taças. Joguei no Inter, o que por si só já é uma vitória, e também no Parma, que ficou em segundo lugar naquele ano [2000-01]. Sou Sérgio e eles [jornalistas] já sabem disso, à conta de vitórias.

Naquela altura, em 1998, trocou o Porto por Roma. Sentiu a diferença?

Muito, muito, muito. Foi difícil. Não a adaptação à língua, à comida, ao país e aos costumes. Foi difícil sair do núcleo do FC Porto, onde tudo é uma família, que comia junta, pelo menos uma vez por semana. Quando cheguei à Lazio, percebi logo que o ambiente era mais frio. Era cada um por si. Atenção que isto não é uma crítica. É normal em toda a parte do mundo - e já andei por muitos clubes [Lazio, Inter, Parma, Standard, Al Qadisiya e PAOK]. A família do FC Porto é que é diferente, para melhor.

Escolha onze jogadores com quem jogou no estrangeiro. Comecemos pela baliza.

[sem hesitar] Buffon. Convivi com ele um só ano no Parma e deu para perceber a qualidade futebolística e humana. Comparo-o ao Baía. Sabe o que tinha o Buffon dentro do cacifo no Parma? Nem vai acreditar! Um poster dos adeptos do Carrarese, o clube da sua terra [Carrara]. Ia ver os jogos deles nas folgas.

Na defesa.

Na direita, Zanetti, il capitano do Inter. Que classe, dentro e fora do campo. No meio, Cannavaro e Nesta. Fui companheiro deles no Parma e na Lazio, respectivamente. A Itália concorda com esta dupla. Na esquerda, quem há-de ser? Quem há--de ser? Meta aí o Córdoba [central colombiano do Inter]. É boa gente. Atenção: Thuram [Parma] é suplente.

E os três do meio-campo?

Outra pergunta difícil. Matías Almeyda, o argentino. Fomos juntos da Lazio para o Parma, em 2000. Depois, o Roberto Mancini, que jogou comigo na Lazio e até chegou a ser meu treinador, e o Verón, também da Lazio. Deste meio-campo, só o Almeyda é boa gente. Mancini era sensacional mas nunca gostei dele. Tinha cá umas manias... Ao Verón também ninguém lhe ensinava nada, mas não era boa onda. Um filósofo, bem-falante, mas nada bom companheiro. Desses três, dois não prestam para nada e só jantaria com o Almeyda. No banco, Seedorf e Pirlo [ambos Inter, hoje ambos Milan].

Falta o ataque.

Escolho Vieri, Ronaldo Fenómeno e Boksic, que andava sempre lesionado mas quando jogava, vai lá vai. Tinha cá uma força. Deixo de fora, Adriano, Salas, Crespo...

E quem treinaria esta equipa?

Tive tantos bons. Cúper, responsável pela minha chegada ao Inter, Malesani, Sacchi. Escolho o Sacchi, que treinou o Parma, por tudo aquilo que representa para o futebol mundial, por tudo aquilo que ainda é para os italianos. É o Sacchi, definitivamente.

E o Eriksson?

Sim, pensei nele. É um gentleman. Mas prefiro o Sacchi. Com Eriksson, joguei a época inteira e fui suplente na final da Taça das Taças. Sabe porquê? Porque ele gostava muito do Mancini e este andava quase de braço dado com o Mihajlovic, ao ponto de ter sido seu adjunto no Inter. Ora, o Mihajlovic era o melhor amigo do Stankovic, agora no Inter. Nessa final, adivinhe quem jogou? Stankovic, pois claro! Eu, banco! Eriksson é um gentleman mas não alinho com pessoas que fazem panelinha com os outros. É igual ao Scolari.

Então?

Agora, não tenho tempo para isso.

Para isso, o quê?

Para o Scolari. Se lhe contasse coisas sobre ele, nunca mais saía daqui.

Diga só uma, então.

Só uma? Não posso! Não consigo! Como é que vou falar de um homem que chegou a Portugal, saiu daí sem ganhar nada e ainda é bem-visto? Dou valor é ao Queiroz, que ganhou dois títulos mundiais com os juniores. E também ao Humberto Coelho. Bolas, com ele, ganhávamos a dar espectáculo. Mas alguém duvida de que o Euro-00 foi o expoente máximo da geração de ouro? Alguém duvida? Não brinquem comigo!

Com Scolari...

Estive nove meses, mas a primeira reunião dos capitães - eu, Couto, Figo e Rui Costa - foi suficiente para o entender. Chamou-nos à parte e disse-nos que estava ali para treinar a selecção e dar o salto para um grande europeu. Mas estamos a brincar ou quê? Mas que é isto? Um homem na selecção, que deve ser um privilégio, o maior privilégio, e ele só pensava em sair para um grande da Europa. Mas brincamos ou quê? Falava em seriedade e disciplina. Aliás, afastou carismáticos, como Baía e João Pinto, com base na disciplina. Isso é tudo muito bonito, mas ele não aplicava a regra. Nos almoços da selecção, a mesa dos jogadores é sempre maior que a dos treinadores, porque há mais jogadores que treinadores. Com o Scolari, não! A nossa tinha 18/20 pessoas. A dele era maior. Mas estamos a brincar? Mas estamos onde? Ele levava os amigos brasileiros, os amiguinhos da Nike. Sim, porque ele é patrocinado pela Nike e entre um jogador da Nike e um da Adidas, escolhia sempre o da Nike. Mas depois, lá vinha com a lengalenga da disciplina. Então mas eu, que nasci em Coimbra, em Portugal, deixo-me ficar? Numa situação destas, deixo de agir? Mas estamos onde, pá? Que é isto? Ele ganhou o quê? Foi a uma final em casa e perdeu-a [Euro-04]. Mas há mais.

Quem?

O Dr. Merdaíl. Disse Merdaíl? Enganei--me. É Madaíl, Madaíl. Depois do fiasco do Mundial-02 [Portugal eliminado na fase de grupos por EUA e Coreia do Sul], escondeu-se atrás de uma carcaça, atrás de um campeão do mundo [o Brasil venceu esse Mundial-02, com Scolari a seleccionador]. Isso é atirar areia para os olhos dos outros. Desculpe lá, mas apetece-me partir a loiça toda. Nasci aí, em Portugal, e não aceito que arruínem o nosso futebol.

Entrevista para o jornal I

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