sábado, 19 de setembro de 2009

Hélder. "90 por cento dos jogadores não queriam que o Simão fosse capitão"

20 anos depois do início da carreira, o antigo central virou treinador (Estoril) e presidente (Abóboda). A experiência serve para tudo



Quando chegou ao Benfica, Hélder entrou num balneário que tinha Mozer e Rui Costa, João Pinto e Isaías. Depois equipou-se ao lado de Valdo e Ricardo Gomes, jogou com Futre e Caniggia; transferiu--se para o Corunha, admirou Beguiristáin e Rivaldo, Martin Vázquez, Djalminha; ainda foi a Inglaterra conhecer Bobby Robson, por quem chorou mais tarde. Foi quando regressou ao Benfica que, motivado por Jesualdo Ferreira e Camacho, começou a preparar-se para ser treinador. Ajudou Luisão, não morreu de amores por Argel, viu Simão discutir com ele a liderança do balneário e só não esperava que isso lhe custasse a saída de um clube onde pensava ir terminar a carreira. A entrevista do actual treinador do Estoril (Liga Vitalis) que por acaso ainda é presidente do Abóboda.

Quem é o Hélder presidente?

É aquele que se identifica com o clube onde nasceu, uma pessoa agarrada às raízes que faz tudo para ajudar o Abóboda, onde começou - era um apanha- -bolas, às vezes infiltrava-me nos treinos; depois comecei a jogar por lá aos 11 anos.

E o Hélder treinador?

Esse é projecto mais importante, a aposta do momento. Preparei-me, estou a gostar, acredito na minha competência.

Estava planeado há muito?

Não, nada. Quer dizer, fui-me preparando, especialmente nos últimos anos de futebolista. A determinada altura achei que devia ser mais do que um jogador que corria e levantava os joelhos porque lhe mandavam; queria saber por que razão levantava os joelhos.

É um treinador à holandesa?

Também... Mas acho que vou aprender muito com os erros; espero ser um treinador de ataque, que quer ver bom futebol, que vai correr riscos.

No futebolzinho português, em que se joga para o empate e para o pontinho, isso vai ser complicado.

Pois, percebi nos jogos com o Aves e com o Varzim [dois empates]. Não se encontra muita gente com a mesma abordagem. Há quem goste de abrir os jornais no dia seguinte e ver um lugar seguro, um lugar tranquilo.

Na Liga, uma equipa que empate os jogos todos (30 pontos) salva-se...

Aí está a razão desta mentalidade.

Perguntei-lhe se será "holandês" porque na época passada defendeu que Quique Flores deveria ser substituído por um holandês. Alguma fixação?

O campeonato holandês não vale por si só; o que acontece é que os treinadores holandeses, quando estão no estrangeiro, abordam o jogo de forma muito interessante e eficaz. Quique falhou mas Jorge Jesus é o oposto: dá liberdade aos criativos e responsabiliza-os ao mesmo tempo. Cada um sabe o que deve fazer.

Como é que os mesmos futebolistas podem render de forma diferente consoante o treinador?

Depende da forma como são tratados.

São flores de estufa?

Não devem ser... treino futebolistas entre os 18 e os 23 anos, a idade já não conta. Ronaldo, Messi, Pelé... Pelé foi o melhor do mundo aos 17 ou 18 anos. Um jogador não pode passar a vida a pensar que é jovem ou precisa de maturidade.

Mas porque é que se vão abaixo ou podem ser tão diferentes de um ano para o outro?

É fácil ir abaixo, são vícios que se instalam numa equipa. Um jogador tem de saber lutar contra isso, especialmente os que andam pelas divisões inferiores - têm de se preparar para fazer outras coisas, a vida pode correr-lhes mal.

Quem foi o seu melhor treinador?

Gostei de Paulo Autuori pela sua liderança descontraída; de Fernando Santos, pela força de vontade (direccionou--me logo como homem). Adorei Bobby Robson, estava parado na Corunha, chamou-me para o Newcastle e colocou-me logo a jogar; chorei quando soube que morreu. E Camacho! Camacho marcou--me pela mentalidade.

Era o treinador das ganas.

Camacho era o treinador que mais depressa podia ganhar um jogo apenas com o seu impacto na mentalidade de uma equipa. Mas Jesualdo Ferreira também me surpreendeu, pela forma como estava preparado, o que aliás se percebe hoje no FC Porto.

É difícil entender isso porque saiu mal do Benfica.

Faltou-lhe liderança e não conseguiu impor-se, deixou-se dominar porque naquela altura tinha de estar preocupado com muito mais do que apenas treinar. Era o Benfica de então, hoje é um clube diferente, organizado, com uma estrutura estabilizada. Talvez eu tenha chegado tarde, para o ajudar.

O balneário do Benfica pode ser tão complicado (derrotas) e perfeito (vitórias) como se diz?

Hoje é um grande balneário. Isso deixou de existir. Na altura havia falta de identidade. Qualquer um que chegasse podia ter logo uma importância brutal.

No seu segundo ano teve o caso da braçadeira, com Simão, no polémico estágio de Jerez de la Frontera...

... falo disso à vontade, toda a gente sabe como foi: o Benfica tinha perdido o capitão, Drulovic. Camacho entendeu que devia votar-se três capitães. Ganhei, mas o Simão não aceitou. 90 por cento dos jogadores não queriam que o Simão fosse capitão. São águas passadas, hoje percebo que talvez ele precisasse desse estatuto para poder render, mas na altura a nossa amizade ficou beliscada e eu, mais tarde, talvez tenha perdido a minha posição no Benfica devido a esse episódio. O Simão renovou, tornou-se a imagem do Benfica, veio apoiar-me mais tarde, eu tive respeito por ele, mas aquilo marcou--me. Não fiz campanha, apenas viram em mim a pessoa para liderar o balneário. Se alguém do clube me tivesse dito que "o Simão vai renovar contrato, será a imagem do clube, precisa de ser capitão", isso seria outra coisa.

Na altura ficou magoado?

São mágoas de jogador, coisas passadas. O Benfica é o meu clube, nunca o escondi. Claro que um dia gostaria de lá voltar, nada altera isso. Na altura, depois de ter chegado a acordo com o Camacho sobre a minha continuidade, o treinador acabou por sair para o Real Madrid e eu só percebi mais tarde, numa conversa informal, que seria dispensado. Tinha sido o sétimo jogador mais utilizado...

Queria acabar a carreira no Benfica?

Sentia que não devia ficar por ali, fui para fora jogar tal como podia fazer no Benfica. Esperava competir mais uns dois anos, eventualmente continuar no clube com outras funções, a treinar... A minha preocupação com isso tinha começado na altura de Jesualdo Ferreira, depois de uma conversa que tivemos em que ele me motivou para isso. Com Camacho essa minha ideia acentuou-se.

Mas foi para fora.

Fui, porque estava em condições! Não queria dizer que jogasse sempre no Benfica mas podia ter um papel importante, ajudaria a crescer jogadores como o Luisão (veja-se onde chegou) e Ricardo Rocha, que precisavam de uma presença experiente ao lado deles.

Com Argel é que não tinha grande relação...

O Argel... chegou a ser importante, às vezes ajudava. O que interessa é um treinador saber retirar o que cada um tem de bom, saber liderá-lo e utilizá-lo.

Que outros figurões o marcaram?

Lá fora? Tenho de eleger Rivaldo e Djalminha, os melhores criativos. Quando cheguei ao Benfica, o Caniggia já estava numa fase madura... Mozer foi o colega do lado que me deu segurança para crescer, Ricardo Gomes ajudou-me na afirmação, Valdo foi a classe, o futebolista que melhor recebia a bola sob pressão. Ah, e Preud'Homme, o perfeccionista que trabalhava tudo - até num jogo de terceira divisão tirava notas.

Passa o que viu aos seus jogadores?

Algumas coisas, aquilo de bom que vi e que fui escrevendo.

Escrevendo?

Sim, nos últimos cinco anos escrevi muito. Tenho uma boa base para um livro [risos]. Apontei métodos de trabalho, exemplos de dirigentes, de como se recebe um adversário, de coisas positivas e negativas. Não me torna melhor do que os outros mas criei a minha base de dados.

Tem um craque no Estoril, Lulinha, que andou meio perdido. Vai ser jogador?

Perdeu tempo no Brasil. É jogador de último passe, não se esconde. Deu um ou dois passos atrás, saindo do Cortinthians, mas é jogador de primeira liga.

Fonte: i

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