sábado, 19 de dezembro de 2009

Futebol de Gabinete

A cor no dinheiro: sim ou não?

Nos últimos tempos tem-se falado muito dos novos produtos financeiros associados aos clubes de futebol cotados em bolsa, sendo que parece um dado adquirido que, em tempos de crise financeira e de baixo juro, os investimentos financeiros da banca deixaram de ter o retorno desejado para o consumidor. Alguns parecem ter-se inclinado para a subscrição de obrigações dos clubes. Refiro-me, mais especificamente, à recente oferta pública de subscrição de obrigações do Futebol Clube do Porto, cuja procura ultrapassa já no dobro a oferta. Segundo os responsáveis pela operação (Millenium BCP e Espírito Santo Investment), as intenções de subscrição perfizeram cerca de 220% do montante máximo da operação.

Perante as baixas taxas de juro do mercado, os depósitos bancários deixaram de ser atractivos, dando lugar às elevadas rendibilidades prometidas pelas obrigações, produto que remunera bastante mais quanto menos elevada a taxa de juro do mercado. O FCP colocou, recentemente no mercado, uma emissão de 3.600.000 acções ao preço nominal de 5€/obrigação, oferecendo uma remuneração anual de 6% e no prazo de 3 anos (18% na maturidade). A questão que pretendo aqui esclarecer é se esta rendibilidade oferecida é realmente suficiente para garantir o sucesso da emissão.

O mercado obrigacionista é claramente menos arriscado que o mercado de acções mas é, mesmo assim, um mercado de produtos com risco e que não assegura a 100% o capital, sequer. Olhando para a rendibilidade anual de 6%, ela representa uma taxa bastante atractiva tendo em comparação o que os restantes produtos nos proporcionam actualmente. Mas atenção! Há que conhecer profundamente este mercado e como se processa. A rendibilidade nas obrigações é variável, sendo sensível a aspectos como a evolução da taxa de juro no mercado, o número de resgates após cada ano, o prémio de default (incumprimento) ou o risco de falência da sociedade. Por exemplo, este portfolio de obrigações do FCP vale actualmente:

V = (3.600.000*0,06)/(1+0,3%) + (3.600.000*0,06)/(1+0,3%)^2 + (3.600.000*0,06+5)/(1+0,3%)^3 = 644.136 €

Suponhamos, agora, que no 3º ano de vigência (2012), a taxa de juro cresce para 2,5% e, na medida em que o FCP não foi campeão, 1.500.000 acções sofrem um resgate (a juntar a outras 300.000 no 2º ano) porque os investidores conheceram, entretanto, melhores produtos à data e quiseram desistir:

V = (3.600.000*0,06)/(1+0,3%) + (3.300.000*0,06)/(1+1,7%)^2 + (1.800.000*0,06+5)/(1+2,5%)^3 = 507.078 €

Portanto, se tivéssemos subscrito 2% desta carteira em 2009, teria-nos sido prometido um lucro de 12.883 € no final dos 3 anos (em percentagem do preço total). No entanto, com estas condicionantes, teríamos, afinal 10.141 € ao fim dos 3 anos. Perderíamos, aproximadamente, mais 2.000 €.

A reter então:


1. A especulação dos activos no mercado financeiro é em algo semelhante à análise especulativa que devemos fazer no futebol. No mercado, quando uma acção com pouca liquidez sobe bastante, isso significa que cairá também bastante porque não tem interesse no médio/longo prazo. No futebol, a leitura é semelhante: se o FCP já vai no tetra, é esperado que isso acabe em breve porque na nossa história, nunca se foi mais além que o penta. Segredo: nunca querer contrariar o mercado e nunca pensar contrariar a história do futebol.


2. A taxa de juro do mercado, ultrapassada esta fase da crise, aumentará e deste modo a rendibilidade da obrigação cairá.


3. Os investidores têm de ter em conta o prazo de vencimento dos títulos, pelo que uma carteira com duração de 3 anos investidos em produtos de um clube de futebol é altamente volátil. Lembremos que a SAD do FCP esteve, ainda o ano passado, em falência técnica.

Conclusão: será justo referir que esta é uma operação de risco superior à média do mercado. Um jornalista de um famoso jornal de economia disse mesmo que considerava esta subscrição caríssima. Não devemos procurar apenas as maiores rendibilidades e muito menos agir com o coração. Há que calcular a sensibilidade (tal como o fiz aqui) e ponderar o risco, porquanto maior a rendibilidade em empresas altamente instáveis financeiramente e bastante endividadas, maior o risco de incumprimento na remuneração aos investidores.

A informação sobre os restantes produtos no mercado e a realização de uma análise comparativa como a que demonstrei aqui hoje, embora simplista, será absolutamente necessária antes de darmos o remate final neste mercado de capital não garantido.

Jorge Manuel Honório


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