sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Futebol de Gabinete

O ataque do betão – As consequências e a realidade económica dos estádios do Euro 2004

Para muitos foi indiscutível o sucesso do Euro 2004 em Portugal e, apesar de para mim ter sido só mais um e igual a muitos outros, já que não vi grandes diferenças entre a qualidade daquele e de outros, reconheço que correu pelo melhor ao nível da organização e do espectáculo dentro do campo. Pena que a selecção não tenha conseguido mais a jogar «em casa».

Como em tudo na vida, só existe sucesso com bom senso e bom senso com respeito e uma visão. Todas as obras exigidas pela UEFA para a realização do evento foram levadas em conta sem peso e medida e, acima de tudo, sem respeito pela classe e o interesse nacional dos agentes desportivos, como aliás veremos ao longo desta análise.

Muitos perguntam hoje se terá sido mesmo verdade que a Federação Portuguesa de Futebol e o Governo (prefiro nem lhe chamar Estado) acreditaram que dez «mamarrachos» mudariam a vida do futebol nacional? Será que não foram feitas previsões centradas nas condições financeiras dos clubes portugueses? Será possível que o histórico de espectadores nos estádios foi subitamente esquecido/ignorado aquando da decisão de avançar para o «ataque do betão»? E os clubes? Terão sido ouvidos os representantes de cada um deles? Se realmente era uma obra ruinosa, porque não houve demissões na altura e hoje todos criticam e querem mudanças? Uma coisa parece certa: as estatísticas e previsões de espectadores nos estádios, o peso percentual da riqueza per capita da população portuguesa na Europa e as condições económicas dos clubes e autarquias para as actividades de exploração dos recintos foram todos ignorados pelos agentes governativos.

A realidade está no resigno de que foram mesmo construídos dez estádios para o Euro 2004, apenas nove dos quais estão a ter utilização regular. O estádio do Algarve, à data que foi construído e ainda hoje, não tem qualquer utilidade já que nenhum clube do Algarve ou do Alentejo joga nele…como aliás era de ver naquela altura (neste caso nem era necessário prever nada). Consta que se faz lá uma espécie de final qualquer, uma vez por ano. O estádio do Bessa XXI é o recinto oficial do Boavista FC, clube despromovido por corrupção e com dívidas às finanças e à segurança social. Os estádios de Aveiro e Leiria são propriedade das respectivas câmaras municipais, recintos com capacidade média de 30.000 lugares mas que não passam de uma assistência média de 3.000 espectadores por jogo. Autênticos monumentos de cimento! Já o estádio de Coimbra passou para a administração da Académica FC que ficou completamente «afogada» pelas despesas operacionais de manutenção e aproveitamento do recinto, com óbvios reflexos nos orçamentos para transferências de jogadores e relatórios & contas do clube. Por mais caricato que pareça, neste caso, o estádio novo até veio tirar competitividade ao clube que nele joga.

A fedorenta realidade deste «lixo» que sobrou do mundo maravilhoso dos estádios de futebol é uma realidade que nos veio chamar mais cedo para a política que rege este país e cujos prevaricadores não parecem ter sido responsabilizados pelos seus actos. A linha política que provou não governar em prol da nação (nação representada, neste caso, por clubes e autarcas) mantém-se inalterada e no poder, mesmo apesar dos afectados se manifestarem contra aquilo que para muitos e para os próprios foi a maior vergonha que alguma vez sucedeu na nossa passiva espécie de democracia.

Jorge Manuel Honório, Finance analyst

2 comentários:

Simão Santana disse...

O verdadeiro problema dos estádios é só servirem para jogar futebol, esqueceram as outras modalidades, e bem que podiam ter aproveitado o projecto para o fazer. Como tal, poderíamos hoje candidatar-nos a campeonatos do mundo de atletismo ou mesmo de outras modalidades como o rugby. Infelizmente só vimos o futebol!

Jorge Manuel Honório disse...

Com certeza que sim, mas há a considerar outras variáveis como a evolução demográfica ou o poder económico. Concelhos no algarve com menos de 15 mil habitantes justitifica-se um estádio com 30 mil lugares (o dobro)? Isto é um crime!