sábado, 27 de março de 2010

"Benfica é favorito, Braga arriscará mais que o costume"

Entrevista com Ricardo Rocha



Em Inglaterra, Ricardo Rocha, agora no Portsmouth, vai assistir ao jogo do título que opõe os dois clubes que representou na Liga. O central assume que tem saudades da Luz, mas também confessa que a equipa de Jesus é melhor que aquela que integrou e que se sagrou campeã.

Na quarta-feira, no jogo entre o Portsmouth e o Chelsea, sofreu um traumatismo grave. Saiu do relvado em maca, com máscara de oxigénio. Está a recuperar bem?

Sim, na altura achei mesmo que tinha partido um osso, fiz um enorme hematoma na face, a minha saída de campo foi realmente um pouco exagerada. Maca, máscara, mas , em situações destas, mais vale prevenir do que remediar. Por pouco não desmaiei. Fui ao hospital fazer exames e não tenho nada partido.

Já viu o lance? Considera que existiu maldade do colega?

Já vi o lance e sim, acho que a cotovelada poderia ter sido evitada. No momento foi um sensação terrível. Achei mesmo que tinha partido qualquer coisa.

O jogo deste fim-de-semana entre o Benfica e o Sp. Braga vai ser o jogo do título?

Vai ser um jogo decisivo. O Sp. Braga chega à Luz com três pontos de atraso e uma derrota deixa a equipa praticamente fora do título. Julgo também que será um grande jogo. Vão defrontar-se duas excelentes equipas, qualquer delas capaz de proporcionar um bom jogo de futebol. O Benfica, pelo factor casa, é naturalmente o favorito.

O Sp. Braga não tem os recursos do Benfica. Como é que acha que vai jogar na Luz?

O Sp. Braga não pode perder e o empate também não lhe servirá. Nesse sentido, é provável que vá à Luz correr mais riscos do que habitualmente. Não esquecendo, obviamente, que ainda há um mês saiu do Dragão com cinco golos sofridos. Quanto ao Benfica, penso que não alterará nada. Vai fazer um jogo normal. Tem uma equipa muito forte e um treinador capaz de pôr aqueles jogadores a brilhar.

Conhece bem os adeptos do Braga, que o vaiaram várias vezes a partir do momento em que se transferiu para o Benfica. Vai ser um jogo de alto risco fora e dentro de campo?

Espero que não. Os adeptos do Sp. Braga são muito aguerridos, gente do Norte é assim , mas não são violentos. É verdade que fui muitas vezes vaiado, tantas que até me cansei e acabei por ser mauzinho, festejando com demasiada efusão um golo que lhes marquei. Mas, repito, acho que vai ser um jogo pacífico.

O Benfica de Jesus pode ser campeão com uma grande equipa, ao contrário da de Trapattoni, que foi campeão mais por demérito dos adversários?

Uma equipa ganha sempre por demérito do adversário. Se alguém ganha, é porque alguém falha. Num ponto concordo, esta equipa é muito melhor do que a de 2005, mas isso só releva o mérito da nossa. Foi muito difícil conquistar o título em 2005. Com uma equipa como a de agora, é mais fácil.

Foi jogador do Sp. Braga de 1999 a 2002. Já nessa altura sentiu que o clube estava a preparar a aproximação aos três grandes?

O Sp. Braga cresceu muito ao longo dos últimos anos. E notava-se que era um clube que queria mais, com vontade de se impor, na região e no País. Criou infra-estruturas e foi construindo equipas que têm vindo a permitir-lhe acercar-se cada vez com mais frequência dos primeiros lugares. Este ano está a fazer uma campanha fantástica, fruto do trabalho do Domingos e do apoio da direcção.

Saiu do Benfica desejoso de conhecer novos campeonatos. Ao fim de três anos, a experiência no estrangeiro valeu a pena?

Vale sempre a pena. Na altura, aceitar o convite do Tottenham pareceu-me a melhor decisão. Nem sempre corre tudo bem, mas a vida é assim.

Passou oito meses a jogar com regularidade, mas, depois, uma lesão e a mudança de treinador colocaram-no nas reservas. Acabaria por sair no final do contrato. Foram os piores momentos da sua carreira?

Sim, vivi nessa altura dos dois lados do futebol. A primeira fase foi muito boa, fui uma opção regular do treinador, com a lesão parei três meses, entretanto o treinador mudou e quando regressei não foi fácil. Mas nessa fase recebi propostas de vários clubes, uma delas de um bom clube inglês, propostas que o Tottenham nunca aceitou. Foi por isso com espanto que me vi relegado para a equipa de reservas.

As propostas eram só de clubes ingleses?

Também da França e da Espanha. Mas o Tottenham pedia um preço exagerado e no fim mandou-me para as reservas. Quem pensa que o jogador tem poder está completamente enganado. Em situações destas estamos nas mãos do clube.

Foi depois para o Standard de Liège, um clube onde jogaram vários portugueses - Sá Pinto, Jorge Costa, Sérgio Conceição. Gostou dessa experiência?

Fui para o Standard como último recurso. Tinham-me garantido que haveria de me chegar uma proposta de um clube espanhol e pediram-me para esperar. O certo é que os dias foram passando e essa proposta não aparecia. Já praticamente em cima do fecho da inscrições decidi não esperar mais. Apareceu a oportunidade de ir para a Bélgica, para um clube que ia jogar a Liga dos Campeões, com um treinador que já tinha estado em Portugal, e aceitei.

O que está a dizer é que foi enganado por um empresário?

Sim, mas sem nomes.

Na altura não colocou, por um momento, a hipótese de regressar a Portugal?

Não tive convites de clubes portugueses.

Não gostaria de regressar?

Não sei. Sinto-me bem cá fora. Sempre gostei de estar no estrangeiro. No entanto, não quero dizer que um regresso seja impossível.

Esteve na Bélgica apenas cinco meses...

É um clube que dá boas condições, com presença na Liga dos Campeões, mas não estava a gostar. O Standard de Liège é um clube vendedor, preocupa-se em contratar jovens para formar e vender. E eu, como um dos mais velhos da equipa, não era uma prioridade.

Regressou em Janeiro à Liga inglesa ao assinar pelo Portsmouth. Com que expectativas?

Jogar. É a minha única expectativa, uma vez que na minha primeira passagem por Inglaterra estive quase um ano sem o fazer. Sei que o clube tem dificuldades financeiras, maiores até do que aquelas que eu conhecia quando assinei, mas estou num campeonato fantástico. Do ponto de vista financeiro não posso queixar-me.

Os graves problemas financeiros do clube reflectem-se no dia-a-dia da equipa?

Em Inglaterra não há hipótese de um jogador ficar sem receber salário. Desse ponto de vista, estamos protegidos. Mas custa imenso saber que há funcionários com problemas e que alguns foram já despedidos, sendo que não foram eles os causadores da situação.

Tem contrato com o Portsmouth até final da época. E depois?

Tenho já quem esteja a tentar resolver esse assunto. Devo dizer que gostava de continuar no Portsmouth e em Inglaterra. Os adeptos são fantásticos e as pessoas que trabalham no clube extraordinárias.

Nunca mais colocou a hipótese de um regresso ao Benfica?

O Benfica deixou-me imensas saudades e não posso dizer nunca mais. Em Portugal cumpri o meu sonho de miúdo, que era jogar no Benfica. São daquelas coisas que acontecem uma vez - a lesão de um colega, o castigo do outro levaram Manuel Cajuda a apostar em mim e a colocar- -me na equipa principal do Sp. Braga. No final da primeira época, soube que o Benfica estava interessado em mim, mas nem acreditei. Meio ano depois fui para o Benfica. Curiosamente, antes disso estive mesmo para ir para o Boavista. A transferência não se concretizou porque os dirigentes dos dois clubes não chegaram a acordo.

O Benfica na altura vivia desportivamente um tempo difícil. Acreditou que seria campeão nacional pelo Benfica?

Soube sempre que não sairia do Benfica sem ser campeão. Passámos momentos complicados, mas conseguimos, com Trapattoni, o título. Foi uma altura inesquecível, tanto mais que foi conquistado contra tudo e todos.

Foi para Inglaterra com o estatuto de um central muito promissor. Acha que alguma coisa correu mal na sua carreira?

Aquele ano sem jogar no Tottenham foi, muito provavelmente, o que correu mal.

Ter deixado de ser representado pelo empresário Jorge Mendes pode ter condicionado a sua carreira?

Penso que não. Sou amigo do Jorge, nunca tive qualquer problema com ele. Aliás, o Jorge nunca foi essencial no que diz respeito a arranjar-me clube. Teve, sim, um papel importante na renegociação do meu contrato com o Benfica. Passei a ser um dos mais bem pagos do plantel.

Nunca se arrependeu de ter deixado o Benfica?

Eu nunca quis deixar o Benfica por deixar. Apenas entendi que, ao fim de quatro anos e meio de clube, não devia desperdiçar uma proposta de uma equipa inglesa até porque é uma liga que me fascina.

Na altura disse que os adeptos não perceberam bem a sua saída - terão ficado a achar que saiu apenas por dinheiro. Já fez as pazes com os adeptos benfiquistas?

Ainda hoje sou muito bem tratado pelos adeptos do Benfica, nomeadamente quando vou a Portugal de férias. A bordam-me na rua e mesmo os portugueses com quem me cruzo em Inglaterra tratam-me com reconhecimento. Os adeptos sabem que o dinheiro nunca esteve em causa. Durante os dois primeiros anos, fui dos mais mal pagos e nunca ouviram um queixume; depois, passei a ter um excelente contrato mas mantive sempre o mesmo esforço. Os adeptos sabem que eu nunca sairia prejudicando o clube financeiramente.

Jogou recentemente contra o Liverpool, adversário do Benfica nos quartos-de-final da Liga Europa. Pelo que conhece, julga que é uma equipa ao alcance do Benfica?

São duas equipas muito boas e o favoritismo reparte-se. O Benfica está muito forte na Liga Europa e na Liga portuguesa. O Liverpool tem mostrado alguma inconstância no campeonato onde ainda não garantiu o quarto lugar e a possibilidade de chegar à Liga dos Campeões.

Nesse jogo, as principais preocupações do Benfica serão...

O Benfica saberá muito bem como preparar o jogo com o Liverpool, mas penso que Steven Gerrard e Fernando Torres merecem uma atenção especial.

Diz de si: "Sou muito negativo. Acho sempre que os outros são melhores do que eu e isso obriga-me a trabalhar muito." Continua a pensar assim?

Sempre. É a minha maneira de ser e de encarar o futebol. Trabalho sempre para atingir o perfeccionismo.

Em tempos considerou Liedson um dos avançados que mais trabalho lhe deu. Gosta de o ver na selecção?

Foi muito importante na qualificação, marcou um golo. É um grande jogador.

Quim foi afastado da selecção depois do jogo do Brasil. Como é que explica esse afastamento de um grande amigo seu?

Gostava de dizer que aquilo que fizeram ao Quim é uma vergonha. A comunicação social enterrou o Quim fazendo manchetes e manchetes onde lhe atribuíram todas as culpas pela derrota frente ao Brasil. E de muitas das derrotas do Benfica.

Quem o afastou foi o seleccionador...

Sobre isso poderá falar o seleccionador. O que eu sei é que no futebol quando se ganha ganham todos e quando se perde também devem perder todos.

Como é que ele passou por essa fase má?

Foram momentos muitos maus mas o Quim é muito forte e este ano deu a resposta.

Merecia ser convocado para o Mundial?

Na minha opinião, merecia ser convocado.

Qual é a sua dupla de centrais titular no Mundial 2010 na África do Sul?

Sobre isso posso apenas dizer que Portugal tem grandes centrais. Bruno Alves, Pepe, Ricardo Carvalho...

Bruno Alves está a jogar com demasiada agressividade?

Ultimamente tem-se atacado em demasia o Bruno Alves com o argumento da agressividade. O Bruno Alves é o capitão do FC Porto, é ele quem dá a cara pela equipa e, portanto, numa época menos boa, carrega em si o peso da insatisfação de todos os colegas. E num ou noutro jogo isso nota-se mais.

No que diz respeito a centrais, considera que a renovação está assegurada?

Penso que sim. Daniel Carriço, Nuno André Coelho e Miguel Vítor ficarão bem nesses lugares.

Fonte: Diário de Notícias

Sem comentários: